Eu espero a noite com seus sons que bordam as curvas do silêncio, e enchem de música a escuridão, e conversam com os seres que não falam conosco... Eu espero a noite pra viajar para dentro dos sonhos e pela neblina, e pelas noites de verão na cortina de estrelas, que se pensam que são só luzinhas que ninguém liga. Eu tenho essas buscas antigas, essas conversas com o Absoluto. Talvez seja tudo loucura, ou só poesia... Mas no fundo de mim eu sei que é tudo Magia!
Quando o vento lambe o campo e destampa os aromas da terra, e varre as nuvens que escorrem pelo azul dos céus da primavera É que as cores da vida se avivam mais e mais a cada hora vívida, porque até para viver a experiência de se estar vivo é de nós requerida E a vida... Ah a vida, quando enfim percebida, já é madura, mais curta e não menos sentida, mas muito, muito mais apreciada, e linda!
É preciso que a chuva nos lave a preguiça, e nos eleve o olhar, e desabe sobre nós nossa sede de vida, e nos arranque do peito a nossa ingratidão! Chuva não é incômodo é benção, é nutrição da vida, é o descanso de quem viajou por tudo e só quer repousar, tranquila, no fundo macio do chão... Bem vinda chuva! Música do céu, harmonia, mãe de tudo, bendita!
E no final das contas a casa da gente é a gente mesmo, e nossos portões são nossos braços, e nossos jardins são nossos abraços onde se aconchegam muitos, mas em que muito poucos ficam, no ninho do nosso peito, e no aconchego de nossas casas... E é por isso que aqueles que nos amam de verdade sentem-se desabrigados quando fixamos morada nas terras estrangeiras, dos campos para além deste mundo...
A chuva trouxe ladeiras borbulhantes, escadarias em cascatas, flores, folhas, sons arrastados de roldão! A chuva trouxe esse poema vazado de memórias, de risos do passado... E a criança que eu fui tá correndo lá fora, nem tem medo dos trovões, nem da bronca da mãe Acho que não alcanço mais aquele menino, vou ficar aqui e esperar que ele sonhe comigo...
Respiro, das varandas das manhãs, a casa nova da vida a cada dia construída no meu olhar. Vivo, como cada manhã vive, inconsciente da noite, esvaindo-se pelas horas até virar a tarde, e ocaso de si mesma... Existo fragmentado de mim mesmo como a luz que se espalha pelo ar e pelas nuvens sempre e sempre... E, sendo assim, nada mais desejo que me iluminar, e ajudar a outros a encontrar sua própria luz, essência e paz...
E assim voando veio a noite,
veio o fim do dia, e da semana;
os dias voam sem conta
e sem possível intervenção...
Então, que pelo menos,
voemos com quem importa,
e se importa pra dentro de nós...
Nesse voo supersônico dos dias
que não andemos a sós...
Pus a cama no jardim
pra me tapar de estrelas,
e me perfumar de orvalho
e de macieiras,
e pra ouvir o frio da noite
chegando manso,
e partir depois vestido
com os véus da manhã!
Pus a cama no jardim
pra sonhar com as flores
cantando seu nascimento
desde o âmago da terra,
e para a água oculta
transbordar nos meus sonhos...
Pus a cama no jardim
pra que o Amor me achasse
livre dos meus claustros,
nu de mim mesmo,
e coberto dos meus versos...
Ai que o Amor
desse em árvore...
Eu queria a semente pra plantar
dentro de casa,
e fazer chá de infusão com as folhas
pra regar as lembranças,
pra receber as visitas,
pra esperar os frutos
e fazer tortas de Amor,
e servir aos desafetos,
e rir das nossas brigas
e, às gargalhadas, nos abraçarmos
como nunca!
Ai que o Amor
desse em árvore
pra dormir à sua sombra
e compreender, enfim,
que está tudo certo!
A vida é o que é
até a hora de deixar de ser,
e a gente virar o pó
e o chão de onde outras vidas
frutificarão!
Em cada um que perdi
sinto falta do que vivi,
e do que não vivi,
quando era possível.
Em cada despedida
lembro das noites
de risadas, dos causos,
e das piadas que agora
ecoam no oco do silêncio,
e na memória
de certas palavras...
Em cada caminho
do sem fim, da saudade,
dos nomes e rostos
que perdi, eu tenho pena
de suas idas, e tenho
o vazio dos seus carinhos,
e enfim... Em cada um
que perdi, eu tenho
saudades de mim...
Espero a noite como quem espera
numa estação de trem
uma embarcação
para terras distantes,
para um mundo de múltiplos sons,
e súbitos silêncios
onde as coisas da vida
e da morte sussurram versos
aos poetas desde o princípio de tudo...
Eu espero a noite
como o menino
espera o acalanto
noturno da mãe,
e o manto de estrelas
onde me perco
em pensamentos
que reinventam os silêncios
que, vez por outra,
reverberam-se em poemas
Eu espero a noite como quem
aguarda o retorno à pátria distante,
ou à casa de entes queridos,
que de tão longínquos,
se fazem esquecidos...
Eu aguardo a noite
como quem aguarda o despertar
de uma outra vida, nesta vida
que vivo, tão longe de mim...
A última floresta sussurrou
Versos de ventania,
E os fantasmas dos pássaros
Se foram com eles também...
As árvores cantaram entre si
Uma última vez,
E oraram por uma humanidade
De quem um dia foram irmãs...
Onde quer que se viva será sempre uma casa, mas um lar de verdade só existe onde moram nossos sonhos, e moram nossas memórias, e florescem...
