sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Limão


E dentro do coração tinha uma pedra, e dentro da pedra um limão, e de dentro do limão um suco amargo... Quebrei a pedra, rolei o limão, o suco amargo bati com açúcar e creme de leite E fiz da raiva doçura, e da amargura perdão, e servi creme doce de aceitação, e comi com quem me feriu, como se fôssemos irmãos!

terça-feira, 18 de julho de 2023

Estatuto


Quando o cansaço é enorme.
desses que faz o sono parecer um desabe mais que um repouso... E faz a vida parecer uma estrada sem fim, é que se deve lembrar que ruir ou prosseguir é uma escolha que ninguém pode, ou deve, fazer por nós... E eu decidi prosseguir...

terça-feira, 9 de maio de 2023

A Rua dos Feiticeiros


Era uma rua sem saída que já tinha se transformado numa atração turística da cidade. Havia ali a maior concentração de leitores de oráculos, feiticeiros, mandingueiros do amor, curadores espirituais e terapeutas da Nova Era... Na entrada havia um portal, sem nenhum aparelhamento de segurança ou câmeras. Apenas uma velha sineta de latão que se não fosse tocada simplesmente o portão de ferro não abria. Havia aqueles que diziam que era para que os bruxos soubessem que tinha gente pelas ruas, e de que a sineta era enfeitiçada. As casas eram, em sua maioria, sobrados antigos de dois ou três andares com quatro ou seis pequenos apartamentos. Na frente de cada um jardins bem cuidados e muros baixos com pequenos portões. A primeira casa era um sobrado pintado de amarelo com detalhes em branco, que todos conheciam como a casa dos cartomantes. Ali viviam leitores de baralho de tarot e cartas comuns, homens e mulheres de todas as idades. O mais velho era Sabino, de noventa e um anos, que usava o tarot com impressionante sabedoria e precisão, e a mais nova Luzia de trinta anos que lia cartas do baralho comum como quem traduzisse textos de uma língua estranha aos que a procuravam... Na frente ficava a casa das flores, ou das ervas, feita de pedra crua e janelas vermelhas. Ali ficavam aqueles que indicavam, vendiam ou ensinavam sobre chás, banhos de ervas, unguentos mágicos e sobre as essências florais

A casa dos astrólogos ficava exatamente no fim da rua. Um grande casarão em tons de azul com um sótão de janelas sempre abertas, onde os gatos saíam para tomar sol. Ali morava dona Urânia e seu filho Proteus, eram consultores e professores dos mistérios dos astros, e alguns alunos estagiavam morando com eles na casa por um tempo. A casa das bruxas era mesmo uma casa em estilo colonial, com o jardim mais florido da rua, onde as crianças aprendiam sobre a história das plantas e seus potenciais mágicos. Haviam meninos e meninas, filhos dos dois casais que viviam ali com dona Brígida. Eram o filho e a filha dela e suas respectivas famílias. Naquela casa se desfaziam feitiços de magia negra e se confeccionava amuletos de ervas e pedras para proteção, rituais de fertilização para casais que queriam ter suas famílias... Havia também a casa do profeta, o velho Milo que era cego e vivia com sua filha. Ele tinha visões sobre o futuro das pessoas só de estar na presença delas! A casa do amor de dona Abigail, que tinha o dom de atrair o amor para todos os que se sentiam infelizes nesse setor da vida, era pequena e pintada de verde água com janelas verde escuro. Na rua tinha a casa dos gnomos, que era onde muitas pessoas avistavam esses elementais nas fotos que tiravam do jardim, que era também um santuário de borboletas de cores intensas. Ali os pães de dona Ceres e do seu marido o senhor Aristeu eram os mais saborosos de toda cidade, e eles quase não davam conta de tantas encomendas! Havia uma lenda que os elementais ajudavam a potencializar o sabor dos ingredientes, e seus efeitos na confecção dos pães e bolos que faziam...

Assim que caía a noite a rua tomava ares nebulosos e poucas pessoas se aventuravam a passear por ela. O portão muitas vezes emperrava, e misteriosamente o badalo do sino desaparecia! A rua dos feiticeiros, ou rua dos bruxos virou uma espécie de mundo mágico dentro da cidade. Parada obrigatória para qualquer um que quisesse um passeio diferente e cheio de história, ou que tinha interesse ou necessidade de conhecer o trabalho daquelas pessoas. Nenhum deles agia como uma celebridade metafísica ou como alguém que tinha sua paz perturbada. Eram sempre sorridentes com os visitantes, alguns conversavam em frente aos portões, e até posavam para fotos com os turistas. Com o tempo o nome que remetia ao mundo da magia e da espiritualidade se tornou quase que seu nome oficial, que esse sim era desconhecido, e um mistério ignorado pois que estava escrito bem no alto do portal de entrada. O nome da viela de encantos e magia era Alameda do Amor.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Coisas do Frio...


Se me perguntam o que mais gosto
com a chegada do frio,
eu digo que são as mesas e as horas do café,
da manhã e da tarde.
As cozinhas que cozinham e aquecem,
e por fim nutrem.
As janelas também, sobretudo
as que dão para ruas com suas árvores,
ou que trazem súbitos ventos frios,
ou que revelam místicas neblinas
nas manhãs, ou chuvas
(cada vez mais sagradas) pelas tardes...
Tem algo nessas coisas do frio
que me aquecem, e aconchegam
ao ponto de extrair de mim poesia
ou essas reflexões que não sei de onde vêm
ou para onde vão,
e muito menos se servem a alguém.

sábado, 22 de abril de 2023

Disciplina

 


Eu acreditei no tempo e o tempo deu-me disciplina, paciência, experiência, fé, tenacidade e direção... Eu acreditei na vida e a vida deu-me conhecimento, discernimento, amor-próprio sabedoria, e também compaixão! Eu acreditei nas estações e colhi beleza, poesia, saudade, histórias, amigos, compreensão... Sobretudo a compreensão De que o tempo não passa, se vive. De que a vida é um trabalho mais que uma distração E que as estações são os versos do tempo sobre a vida, que aspiram ao nosso coração!


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A Casa Antiga

 


Todo mundo tem dentro de si uma casa velha de lembranças ou muita saudade e, de vez em quando, volta pra lá num cheiro súbito, num som repentino e distante... E a casa fica lá dentro da gente e a resgatamos em pequenas coisas na casa em que vivemos... Mas nunca, nunca, será a mesma casa em que um dia estivemos e a sepultaremos na memória, a recontaremos mil vezes em nossa história, até que ela morra conosco e nos sirva, outra vez, de abrigo...


quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Assombros


Tem coisas que são mesmo de assombrar! Caminhos que se perdem na neblina, o silêncio das casas nas ruas à noite, a lua que, de repente, aparece entre árvores ou atrás de prédios... Uma lembrança súbita do chamado da mãe da gente! Aquele sono que nos pega distraídos e nos deixa por algum momento perdidos no tempo... Longe das horas! Esses saltos são relances de quando a alma lembra que é eterna, e de que viu tudo isso noutros tempos revividos na lembrança e esquecidos em seguida...


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Esconderijos

 


Tem coisas que evocam mesmo a magia: acender velas e lareiras, o fogo sagrado, fazer e bebericar chá, seiva da terra e das florestas. Abrir Oráculos, linguagem da alma pra falar com o Absoluto. Os sons do jardim onde a vida canta para nós, o escuro da noite onde tudo nasce e se consome. As fases da lua, que contam nossos ciclos nesta vida, o silêncio da casa, onde nos falam os ancestrais... O mundo mágico habita horas, momentos, e locais como portões que nos aguardam em momentos em que, sufocados pelo mundo que chamamos de real, relembramos, de súbito, nossa natureza transcendental.


Vigílias

As portas abertas estão sempre à espera de algo... Deixo minha porta da cozinha sempre aberta à luz do dia, ao vento furtivo, à visita d...