terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ano Novo





















O tempo é uma estrada
que nunca finda
e também nunca principia


O ano novo é uma despedida
de nós mesmos!


Somos nós que vamos indo,
e entre tantas despedidas que criamos


Também vamos nos despedindo.

Cada novo ano é um
mergulho no desconhecido!


Revelação





















Jorrou da boca
feito lava de um vulcão!



Jorrou a denúncia derradeira
que fez com que
a verdade virasse a dor
atravessada na carne,
no coração e na alma
para sempre...


Hoje e além, ou nunca mais,
serei o mesmo, nem seremos
irmãos...
A verdade destruiu a ilusão
de que éramos iguais...


Vigília

























Deitei
na janela
flores de versos
de sonolentos cadernos
que não ouso mostrar...


Pus até um sorriso no rosto
e uma alegria festiva


No lugar do velho silêncio...

Tudo isso só pra te esperar!

Recado




















Vem,
que o abraço da saudade
me sufoca,
me rouba o sono
e as tardes
e as horas todas
viram tributos a ti!...


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Iluminação















(Para o Miguel, que com três meses de idade iluminou minha vida)




Com um fiapinho de esperança,
e alguns sonhos e alguns versos


Segurei aquele bebê a altura do peito,
bem junto ao coração...


E então entendi
que já não era possível
evitar que toda a doçura do mundo
afogasse o meu peito duro


E Cristo e os santos e as catedrais
por um minuto
fizeram um sentido único


Antes de que o cinismo do mundo
me engolisse uma vez mais...


Mutação


















Já andei a procura de mim
e nem sombra de memória
nem sonhos de outrora,
ou do porvir, disseram-me onde
eu me encontraria...


Hoje sei que me encontro no agora
e que minha identidade está aberta
a todas as possibiliddes.


Agora aprendi que somente
uma vida em eterna mutação
é palpável, real e eterna!...


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Paisagismo



Pintura de Marineusa Lopes



De repente olhei em mim
e vi um mar rumuroso
com um sol dourado 
debruçado sobre ele...


Vi peixes prateados 
de olhos azuis


E homens sereias
e mulheres guerreiras
e crianças pescadoras


Na praia, as pedras
eram pintadas
de giz de cera!


E as gaivotas
vinham saber sobre mim
antes de mergulhar 
no azul do dia


Eu sou muitas coisas
eu sou as coisas todas!


O universo flutua em mim...


Em vosso mundo quadrado
não cabe o meu espaço!...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Pescaria


O poema inacabado
sonha ao meu lado

Dormem também
os transeuntes da rua
dos jacarandás floridos...

Só eu não durmo!
Estou pescando
esperança

À beira
dos meus abismos...

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

*Samhain




Vigia, a colheita
finda agora
e o tempo esvai-se
por entre
folhas douradas...


O sol deita
no horizonte,
morre lentamente,
como morremos todos.


Vigia, o tempo
é uma ilusão
da mente... tudo,
hoje e sempre,
continua sim


eternamente...

*Ritual celta de passagem do ano.

Despedida






















A meu pai, Jorge

Dormiam teus olhos
um sono para a eternidade


E todas as palavras
bonitas, os versos escritos...
Nada
servia ao meu coração
como oferta, dádiva
ou conforto
para o teu último leito!...


Queria te dar
muito mais do que
eu tinha...


Eu queria te dar
mais uma vida!


Sshhh

























Deixa, o tempo
nada pode contra
os que percebem
no fim um leito
na eternidade...


Sem palavras,
sem esforços,
onde respirar
ou transpirar
não é preciso.


Onde só o silêncio
toca uma flauta muda
do coração de Deus
à concha dos nossos ouvidos...


Casarões

















Os casarões
na madrugada sonham
com vivos
assombrando os mortos


Roubando-lhes a mobília,
deitando-se
em suas camas


Ferindo-lhes
a memória que, enfim,
são tudo o que lhes resta!


Danação


















Carregas contigo
a semente do brilho
que eu trazia aqui dentro...


E que jaz agora
não acontecido
porque eu dei a ti
o que nunca
poderia ser dado...


Eu te dei a magia
de ser o que eu era,
meu riso e minha poesia...


Agora eu tenho apenas
migalhas de mim!...


Insone



Os cavalos da insônia
com seus cascos e estalidos
de pensamentos e suspiros


Pastam à beira da minha cama

Estendo a minha mão
aos seus focinhos
e os acaricio


Até sentir o pouso
suave do sono...


E eles partiram
enquanto as estrelas
cantavam baixinho...


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Sonâmbulo






















Tu chegaste
pela janela
com cabelos soltos,
com corpo de neblina,
com hálito de madrugada...


Vi-te em sonho
e quis abraçar-te,
mas como
já eras morta,
evaporaste!


Separação



E agora
que nossas estradas
são impossíveis de continuar


Eu sonho
com o teu futuro
- que não verei -
e rogo que realizes
tudo o que
tua alma desejou.


Agora, que apesar de nos amarmos,
não podemos nos entender
eu rogo que Deus
te tome nos braços
e te conceda todo o amor
que a criança em ti sonhou.


E, sobretudo, rogo
que o reconhecimento futuro
de nossos erros
não maltrate,
nem envenene,
nossos corações maduros...


Retrato de Família



























Minha família é pequena,
uma pequena tribo de vivos
que arrasta
uma legião de mortos.
Quase não há testemunhos,
quase não há fotografias.


Só um monte de histórias...
Será uma família imaginária?
Ou seremos ciganos solitários
sem pátria nem passado,
errantes desolados
atrás da terra prometida?...


Da Saudade























Teu olhar
como um farol
da existência
repousou sobre mim,
tão suavemente,
que o senti
como um abraço...


E me senti tão livre
e amado sem ser julgado,
que então me comovi

diante do teu retrato!

Íntima


Há um bosque em mim
onde tropeçam
sonâmbulos astrólogos
sondando os céus


e onde seres imaginários
vestem-se de sombras
e fogem por entre
escombros
de milênios...


Onde sacerdotisas
mui carinhosas
velam por mim...


Confiança



Deixei meu coração
à deriva

Com um bilhete de socorro

guardado em
cada batida...


(Tomara que ele retorne
antes da maré vazar...)


terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ode ao Deus Pã



Como quem leva uma concha ao ouvido
e aprecia as ondas de uma música oceânica,
ouço a tua fala por entre as brumas do dia
e dos que tropeçam nas águas podres
de seus próprios pensamentos.

Derrama-se de tua boca o sumo doce das palavras,
o açúcar da poesia colhida no cerne de uma alma muito antiga.
Na tua fala percebe-se o poder de raízes profundas,
raízes da ancestralidade das coisas...
Tu que és parente dos mitos, das pedras, dos líquens
e de tudo o que habita este planeta.

Tu que amparas o desmaio das ondas tombadas
e do sal crias nuvens brancas passeando na praia.

Tu que crês que somos todos sereias às avessas,
seduzidos pelos cânticos desta vida,
e que habitas o insólito com naturalidade
e cuja alma o sobrenatural transpassa
- muito calmamente, é claro!

Tu cujo amor tem um gosto ácido
e o toque nos faz sentir em eterno pecado
e que com tua volúpia faz-nos sentir umidamente excitados
e agradavelmente enojados porque em ti
assumimos, sem vergonha, nossas maiores vergonhas.

Tu cuja língua pronuncia a curva redonda das palavras
e nos chupa o âmago com ardor
- e outras coisas que não temos coragem de contar...

Por ti arrastamos o peso de nossas almas
inspirados pela leveza sã de nossos corpos...
E fazemos tudo isso por ti!

Enigma Casual




As ruas
que não entramos


São justo as que levam
ao desconhecido


E sabe lá o que há
no fim das ruas que cruzamos?


O grande amor tão sonhado,
um portal alienígena,
uma outra dimensão,
ou um coração como o nosso
solitário e ansioso por paixão,
ou só um amigo?...


Ai que enigma
o dessas ruas esquecidas
que cruzamos distraídos
enquanto elas apontam
a direção do infinito!


Céu Noturno




As estrelas
deitaram sobre o meu pensamento


E no silêncio da noite


Ouvi confidências do vento...

Peregrino
















Ah noite,
onde nasce
o teu mistério?


Onde escondes
as estrelas?
E os versos delas
onde pões?


Corações de poetas
e tristes, amantes,
místicos, sonhadores...


Pescadores da beleza
digam-me
antes da manhã feroz


Onde pousa o leito
da noite?
E o seu mistério
onde é?...


Sortilégio


Adentramos no vazio abismal
onde o conhecido mistura-se
ao vazio incorrigível do medo
e o que é próximo alarga-se na distância...


Entramos na erma floresta
cingida nas alturas pela face nova
da velha mãe-avó-lua,
com as tochas e as candeias do fogo pagão
do velho pai avô-sol dos ancestrais,
com as ervas certas, o coração firme
e o ouvido atento aos sinais.


Atravessamos os vultos nas brumas
até que o íntimo da própria neblina
nos revele a hora, e nos indique o local exato
onde a terra clama por seu ritual,
chamando-nos para o fogo primitivo da vida...


(Que faz pulsar seu coração de cristal)

Caçadores sacerdotes e dançarinas sacerdotisas
voltam na história para a infância do tempo,
tendo apenas um céu de silêncios por testemunha...


E as brumas, mais uma vez, varrerão nossos vestígios...

Unicórnio




Vi-te no jardim
com teu corno perolado
tua penugem alva e reluzente


Flutuando no meu
sonho acordado
- uma neblina de mito
caída na manhã silente...


Vieste a mim
que nem donzela,
e nem virgem sou,
repousando sobre mim
a doçura do teu olho
negro de azeviche


E antes que partisse
rezei para que a sanidade
não me impedisse
de te ver outra vez!...


Despertar




















Fui tomado de poesia,
a noite caiu sobre minha caneta
e o meu peito
arremessou-me ao mundo.


De repente lembrei
que sou filho de tudo
e aparentado das estrelas


Que Deus, de algum modo,
já é meu conhecido,
mas que esquecido
aguarda a minha visita.


De repente percebi
que entre sonhos e mitos
e canções, e lendas
é que vive a essência


Do que consisto!

Sonâmbulos





















A música das coisas
permeia o silêncio
abismal da noite.


Dorme em cada cabeça
um sonho de
mudar o mundo...


E o mundo ouve seus
sussurros aguardando
a chegada dos seus atos...

sábado, 23 de julho de 2011

Manhã




















Lua e estrela,
solitária parceria.


Breve ensaio
de um encontro


Queimado pelo dia!...

Confissão




















A sombra dos teus dedos
cruzou a areia
enquanto apontavas
para o alto, mirando
um pássaro
que surgira para o nosso olhar...

Tudo foi tão

bonito e pungente...

Vejo agora

que nunca entendi bem a história
desse amor
que surgiu entre nós dois...


Paisagem Interior





Eu quero
uma janela de sonhos
onde se aviste apenas
os entes amados,

O mar azul
e o sal puro.

Um arvoredo
bem alto...

E um céu de manhãs
onde apenas de vê-lo
já seja uma oração!


terça-feira, 21 de junho de 2011

Sina



Sou dos vadios e dos hereges,
dos videntes cartomantes
e dos amantes proscritos...


Eu sou do outro lado!...
Para onde, normalmente,
não se olha enquanto
a vida ordinária segue.


Das lutas na morada da alma,
das súplicas mudas
e das guerras invisíveis
vem minhas vitórias...


Todos aqueles que se cegaram
com a luz, jamais entenderão
o frescor das minhas sombras
nem o calor das minhas batalhas...

Luares





Outras luas
como esta, com certeza,
inspirarão loucuras e poemas.


Mas somente esta,
apenas esta,
abriu-se-me a janela
onde eu vi
a tua face!...

*Ahana



A linha dourada do horizonte
define quem sou de leste a oeste,
e de oeste a leste toda essa altura
e toda essa largura sou eu!


O sol que desponta vivifica-me
e me mata todos os dias e respiro
com o vento e com a chuva, e o ocre
odor da terra é meu perfume de vida...


E quem não tiver essa obsessão íntima,
profunda e voraz pela terra, jamais
entenderá meu canto e minha súplica.


Na lua imaginária - e não na lua
profanada - guardei o saber dos meus
arcanos queimados pela aurora...


*Palavra sânscrita que significa "amanhecer", 
mas que também alude ao despertar espiritual.


Oráculo


Desde cedo
eu ouço o segredo
das coisas


Os símbolos falam comigo,
as pessoas me pedem conselhos
e em segredo, nos meus sonhos,
eu danço com a lua...


Eu sou um descendente
dos velhos oráculos,
das conchas do mar,
das grutas, dos diários
e dos corações maternos


Eu sou a flauta oca
onde o infinito
toca - desde sempre -
a sua canção!


Poção



Traz um pouco
de espuma
de água da chuva,
uma lágrima
de alegria,
um suspiro de saudade,
e um raio de prata
da lua


Mistura tudo
com chá de artemísia,
toma três goles
e o resto despeja
na terra que
o teu amor há de pisar


Depois te entrega
num beijo e diz a ele
que o teu amor e o
da Deusa
são um só!...


Ode à Poseidon



Meu olhar bebe tua salina beatitude azul brilhante
onde os pássaros avançam para um beijo matinal.
Tu cujo corpo gigantesco de água viva,
presente e invisível simultaneamente,
ondula a orla da praia e para o qual as anêmonas embevecidas
fazem sua dança, e os corais pintam
de arco-íris o fundo do mar...

Em teu corpo divino e oceânico
de sonho e monstruosidade,
de esperança e terror, deslizam os pescadores
desde o início dos tempos e tu os alimenta
com cardumes de teu sangue
e os pune terrivelmente com teus tremores,
maremotos e ventos,
pois esse é o preço dos teus favores.

Tu que engoliste os tesouros coloniais
temperados com o sangue dos filhos puros das Américas,
e se por um lado fizeste justiça,
por outro te divertiu o naufrágio do sonho humano
de conquista, poder e grandeza
e as carcaças dos navios naufragados são
os resíduos sórdidos do teu humor.

Tu que deste à Terra os filhos da terra
como uma benção e uma maldição,
esses que agora olham para ti com o semblante
perdido, rememorando o que a sua lógica
convenientemente chamou de mitos,
mas que são os teus vestígios, inimagináveis,
para quem te vê disfarçando tua grandeza
num véu de espuma branca à beira mar...


sábado, 18 de junho de 2011

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Herança



Deus te proteja
meu filho
do tempo sem tempo
que a vida enfim
ficou


Deus te proteja
da falta de verde
e de um sol mais amigo


Deus te proteja
da noite sem grilos e do
amor sem carinho


Deus te proteja
meu filho
de mim!...

terça-feira, 7 de junho de 2011

Saga



















A música longínqua da noite
fez balançar as pétalas do corpo,
as franjas do sono
que pairavam sobre as pestanas...


Dormiam já os justos no regaço
do seu justo descanso
e os poetas teciam pensamentos e versos
e estrelas imaginárias na orla do tempo...


Vieram etéreas sereias, cavalos alados,
unicórnios, corujas e um coro de silêncios...
Uns seguiram dormindo, outros sonhando
uns vivendo, outros fugindo
e na saga da noite a vida
escreveu mais um capítulo...

Vigílias

As portas abertas estão sempre à espera de algo... Deixo minha porta da cozinha sempre aberta à luz do dia, ao vento furtivo, à visita d...