segunda-feira, 27 de abril de 2020

Esmeralda - A Mística


Vivian estava esperando o aplicativo para ir à consulta da numeróloga indicada por Cipriano. Ela era sua cliente de tarot há muitos anos, mas nunca tinha ido a uma numeróloga. Ficou intrigada com a história de uma colega da empresa que havia mudado sua assinatura, e perguntou a ele se conhecia alguém... Ele indicou a Esmeralda com as melhores referências, assinalando que se tratava de uma sábia de 88 anos. Vivian idealizava uma senhora sóbria, como uma professora ou contadora aposentada, mas apaixonada por números!
Quando chegou ao prédio, uma pitoresca construção antiga de três andares pintada de branco e amarelo, tocou no interfone e subiu, era logo no primeiro andar. Já a esperava na porta uma senhora de cabelos louros (pintados) amarrados num coque e vestindo um longo vestido azul à moda indiana, quase um sári. Tinha uma echarpe de seda sobre os ombros em tons de azul e verde. Ela sorriu para Vivian, apresentaram-se. Ao entrar se deparou com um ambiente mágico. Numa poltrona de estilo Bristol dois gatos intensamente negros e de cintilantes olhos dourados se espreguiçaram, e mostraram suas barrigas pedindo carinho. Sobre uma cômoda antiga viu imagens de mestres espirituais, velas acesas, pedras, símbolos que desconhecia, e um incensário que exalava um delicioso cheiro doce.

- Que delícia, é de Jasmim. Disse Vivian.

- Não, dama-da-noite. Corrigiu Esmeralda trazendo uma aromática xícara de chá.

- Mas os aromas se parecem mesmo. Disse a senhora que não parecia uma octogenária.

- É “Fruit de la passion”, é francês, mas feito com maracujás do Brasil, embora o gosto não lembre em nada a fruta. É uma delícia! Disse lhe alcançando uma linda xícara.

- Confesso que esperava outra coisa. Disse Vivian bebendo um gole do saboroso chá...

- Esperava o quê? Perguntou quase distraída a senhora que sentava no sofá.

- Achei que como se tratava do estudo de números, o clima seria menos mágico e mais acadêmico ou científico, sei lá...

A senhora com os olhos atentos como os de uma criança curiosa, com mão apoiando o queixo respondeu:
- A magia era a ciência dos antigos, e havia pouca ou nenhuma separação entre elas até o século XVIII, Descartes se assinando Cartesius foi um dos que ajudou a mudar isso, pra bem e pra mal... E, por favor, não se desculpe você é 7 na numerologia, tem uma natureza inquiridora e ávida por saber. Não há erro nisso!

- A senhora também joga cartas? Prosseguiu Vivian sentindo-se a vontade para inquirir mais.

- Jogava cartas de baralho, porque sempre tive uma ligação intuitiva com os números, mas faltava algo de filosófico nelas. Quando encontrei a numerologia tudo fez sentido. Os números são meu canal de acesso superior, assim como o tarot é para o Cipriano.

- É que as cartas parecem mais místicas, não é? Disse em tom quase provocativo...

Esmeralda suspirou do alto de sua sabedoria serena e esclareceu:
- Um grande Mestre, Santo Agostinho, disse que misticismo é uma busca por interação direta com Deus... Outro grande Mestre, Pitágoras, dizia que a matemática é o alfabeto com que Deus escreveu o universo... O que pode ser mais místico que isso? A Mística era o último grau que um mago deveria buscar nas escolas de mistério do passado, hoje sofre resistência por parte de magos que se pretendem modernos... Não se retira o misticismo de uma disciplina para torna-la aceitável... Além de tolice é um erro! Sim, o tarot tem em si uma profunda senda mística, e os números também, assim como todos os sistemas simbólicos do passado! Os limites estão nos olhos de quem vê, eu não vi isso nas cartas de baralho, mas com certeza estava lá. É que também elas não eram meu caminho! O universo nos guia muito bem para onde devemos ir para evoluir. Todos temos nosso próprio veículo de acesso superior, e nem sempre são oráculos... Pode ser meditar, dançar, escrever, pintar, e até costurar ou cozinhar...

Vivian estava atônita, aprendendo muito, mas sem muito mais a indagar... Apenas salientou:

- Então a senhora é uma mística?

- Antes de tudo! Sorriu com a inocência de uma criança.

- Agora chega. Disse ela levantando-se. Vamos investigar você mesma, e ver o que trouxe para ser e crescer junto com este mundo...

E as duas cruzaram uma cortina de miçangas em direção à sua sala de atendimentos...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Cipriano – O Tarólogo


Dora chega para a sua primeira consulta com o tarólogo Cipriano, usando seu vestido básico, azul e sem mangas, e um chapéu branco medonho que ganhou da madrinha querida quando essa veio de Paris. Abriu a porta um homem grande e robusto (quase gordo), de pele morena e ar solene, olhar duro, e que bem lembrava o professor Snape do Harry Potter, só não era cabeludo. Tinha têmporas grisalhas; nada simpático num primeiro momento. Discretamente ele reparou no chapéu da moça, era quase um chapéu coco, branco com um adorno que se pretendia uma flor envolta num laço, mas lembrava mesmo era uma alça... Enfim ela parecia estar com um daqueles pinicos laqueados na cabeça. Daqueles que ficavam debaixo da cama da avó de Cipriano. E ela parecia meio sem jeito usando ele, que não combinava mesmo com sua elegância altiva. Cipriano disfarçou o olhar, identificaram-se e ele a convidou para entrar. Sentaram numa mesa de madeira bem simples numa sala de muitos livros em prateleiras altas. Em cima da mesa tinha só um bloco de notas, um bem usado baralho de tarot Rider-Waite, e um pires de porcelana vermelha, no qual ele acendeu um tablete de um incenso maravilhoso. Ele então perguntou: 

- O que veio saber exatamente?

- O senhor não vai jogar para mim? – Perguntou ela surpresa e meio desconcertada.

- Depois - Falou ele -  Mas agora preciso saber.

E então ela disse:
- Eu vim aqui mesmo foi para entender por que o amor não aconteceu para mim, consegui todo o resto que desejei, me considero uma guerreira, mas essa parte da minha vida é vazia de realizações! Eu queria entender isso, o senhor pode me ajudar?

Ele pegou o maço de cartas na mesa e começou a embaralhá-las verticalmente, então para surpresa de Dora, acostumada com consultas à cartomantes, ele mesmo corta uma vez o maço, o junta novamente e ele mesmo tira a última carta, e mostra a ela sem com que visse antes.

- O que você vê? Perguntou.

- Vejo três espadas atravessando um coração, e um céu em que está chovendo.

- Hum... Resmungou ele.

- Esse coração são os seus sonhos de amor apunhalados pelos seus desejos cerebrais. Vejo nessas três espadas também as três coisas que a motivaram matar seus sonhos... A vida acadêmica, a sua carreira e as suas bandeiras... Esse céu que chove é sua angústia a se indagar.

A mulher delicada de chapéu esquisito era uma Mestre em direito, com especialização em direito civil, e com forte atuação na defesa do direito das minorias. Embora não parecesse já tinha quarenta e seis anos, e olhava para Cipriano com espanto. E ele continuou:

- Essas espadas são os pensamentos e conceitos que aprisionaram as expressões do seu coração, sua paixão e a ousadia de se entregar, se mostrar sem defesas. E sobre isso que falou de ser uma “guerreira”... O naipe de espadas – Disse ele mostrando novamente a carta a ela – corresponde a classe dos militares da Idade Média... De punhos cerrados é difícil dar abraços, e receber carinho... Seja mais coração! Sinto que tem muito amor dentro dele...

Ela continuava olhando-o com um ar de espanto, e acenando positivamente com a cabeça enquanto ensaiava um sorriso.

Ele devolveu a carta ao maço, e voltando a embaralhar suspirou – Então vamos começar! – Ao que ela interrompeu colocando a mão sobre a mesa:

- Não, sério, era tudo o que eu precisava ouvir! Quanto lhe devo? – Perguntou ela retoricamente, pois sabia o preço da sessão 
– Nada! -  Disse - Não fiz todo meu trabalho... 
– Ela respondeu – O senhor fez mais do que pode imaginar...!

Deixou o dinheiro sobre a mesa e foi se levantando em direção a porta. Ele a acompanhou.

- Uma última pergunta – Embora eles já estivessem longe da mesa e das cartas de tarot – O senhor acha que eu conseguirei? Digo, conseguirei ousar e ser mais coração?

- Bem... – Pausou ele – Você conseguiu sair pra rua com esse chapéu, não foi?

Eles se olharam por um instante antes de caírem numa gargalhada quase histérica...!

Surpreendentemente ela saltou pra frente num abraço, e mais surpreendentemente ainda ele foi receptivo, quase paternal. Despediram-se, ela saiu saltitante em direção a rua, quase orgulhosa do seu chapéu. Acenaram um para o outro de longe, em lados diferentes da porta.

Nunca mais se viram outra vez!

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Saudades Tuas...




In Memoriam à minha avó Irma Maria

O teu silêncio é vivo de lembranças
e de encantos,
de cheiro de amor
e cor de saudade,
de bolo de laranja,
de milho,
e banana...

Sinto a longa trilha
da nossa ancestralidade mágica
pulsar em mim, e aspirar aos céus
tornando-se do azul claro das manhãs
ao azul intenso das madrugadas,
e sinto que no teu alento de estrelas
rezas por mim, e me desejas
um bom dia,
como era todos os dias,
quando saio de manhã...

quarta-feira, 8 de abril de 2020

União...



Planto por sobre cada casa 
da quarentena
uma Luz de oração,
e um fio de estrela
ligado ao infinito...

Para que nunca 
se faça esquecido
que eu sou uno com todos,
e todos comigo,
e mesmo longínquos
somos todos irmãos
resumidos
dentro da mesma casa...

terça-feira, 31 de março de 2020

Lamento...



Te desenho paisagens
De Amor com as palavras que lês,
Mas não vês

Sangro meus dias
A verter poesia
Que te encante e me revele,
Mas não lês...

Aceno do alto dos meus sonhos,
Escrevo e lanço às nuvens teu nome,
Mas não vens...

Oro, sussurro, evoco e conclamo
Teu Amor nas profundezas de mim...
Sem fim...

Mas não lês, não vês, não vens
E enfim, longe de mim, nem sabes
As flores que abres no meu jardim...

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Reflexo Mágico

Caçar estrelas é bem fácil, quando elas se esparramam no chão, mas se ainda assim impossíveis à dureza da mão, só o que resta mesmo é serem apreendidas na leveza do coração, ou quem sabe nuns versos... Deixa pra lá, já há poesia que chegue em estrelas brilhando no chão...

quarta-feira, 24 de julho de 2019

As Flores de Dentro



E a neblina grossa da tarde
se rompeu em chuva,
na cantoria das calhas,
no silêncio das ruas,
no vaso de violetas sem flores

Tudo úmido e escuro
aguardando floração...

Sinto sementes de flores violetas
guardadas em meu coração,
que sem chuvas ou brumas,
ou noites escuras
aguardam as flores coloridas,
de amor e ternura,
que florirão!

Um Lar

  Onde quer que se viva será sempre uma casa, mas um lar de verdade só existe onde moram nossos sonhos, e moram nossas memórias, e florescem...