Vivian estava esperando o
aplicativo para ir à consulta da numeróloga indicada por Cipriano. Ela era sua
cliente de tarot há muitos anos, mas nunca tinha ido a uma numeróloga. Ficou
intrigada com a história de uma colega da empresa que havia mudado sua
assinatura, e perguntou a ele se conhecia alguém... Ele indicou a Esmeralda com
as melhores referências, assinalando que se tratava de uma sábia de 88 anos.
Vivian idealizava uma senhora sóbria, como uma professora ou contadora
aposentada, mas apaixonada por números!
Quando chegou ao prédio, uma
pitoresca construção antiga de três andares pintada de branco e amarelo, tocou
no interfone e subiu, era logo no primeiro andar. Já a esperava na porta uma
senhora de cabelos louros (pintados) amarrados num coque e vestindo um longo
vestido azul à moda indiana, quase um sári. Tinha uma echarpe de seda sobre
os ombros em tons de azul e verde. Ela sorriu para Vivian, apresentaram-se. Ao
entrar se deparou com um ambiente mágico. Numa poltrona de estilo Bristol dois
gatos intensamente negros e de cintilantes olhos dourados se espreguiçaram, e
mostraram suas barrigas pedindo carinho. Sobre uma cômoda antiga viu imagens de
mestres espirituais, velas acesas, pedras, símbolos que desconhecia, e um
incensário que exalava um delicioso cheiro doce.
- Que delícia, é de Jasmim. Disse
Vivian.
- Não, dama-da-noite. Corrigiu Esmeralda
trazendo uma aromática xícara de chá.
- Mas os aromas se parecem mesmo.
Disse a senhora que não parecia uma octogenária.
- É “Fruit de la passion”, é
francês, mas feito com maracujás do Brasil, embora o gosto não lembre em nada a
fruta. É uma delícia! Disse lhe alcançando uma linda xícara.
- Confesso que esperava outra
coisa. Disse Vivian bebendo um gole do saboroso chá...
- Esperava o quê? Perguntou quase
distraída a senhora que sentava no sofá.
- Achei que como se tratava do
estudo de números, o clima seria menos mágico e mais acadêmico ou científico,
sei lá...
A senhora com os olhos atentos como
os de uma criança curiosa, com mão apoiando o queixo respondeu:
- A magia era a ciência dos antigos,
e havia pouca ou nenhuma separação entre elas até o século XVIII, Descartes se
assinando Cartesius foi um dos que ajudou a mudar isso, pra bem e pra mal... E,
por favor, não se desculpe você é 7 na numerologia, tem uma natureza
inquiridora e ávida por saber. Não há erro nisso!
- A senhora também joga cartas? Prosseguiu
Vivian sentindo-se a vontade para inquirir mais.
- Jogava cartas de baralho, porque
sempre tive uma ligação intuitiva com os números, mas faltava algo de
filosófico nelas. Quando encontrei a numerologia tudo fez sentido. Os números
são meu canal de acesso superior, assim como o tarot é para o Cipriano.
- É que as cartas parecem mais
místicas, não é? Disse em tom quase provocativo...
Esmeralda suspirou do alto de sua
sabedoria serena e esclareceu:
- Um grande Mestre, Santo
Agostinho, disse que misticismo é uma busca por interação direta com Deus... Outro
grande Mestre, Pitágoras, dizia que a matemática é o alfabeto com que Deus escreveu o universo... O que pode ser mais místico que isso? A Mística era o
último grau que um mago deveria buscar nas escolas de mistério do passado, hoje
sofre resistência por parte de magos que se pretendem modernos... Não se retira
o misticismo de uma disciplina para torna-la aceitável... Além de tolice é um
erro! Sim, o tarot tem em si uma profunda senda mística, e os números também,
assim como todos os sistemas simbólicos do passado! Os limites estão nos olhos
de quem vê, eu não vi isso nas cartas de baralho, mas com certeza estava lá. É que
também elas não eram meu caminho! O universo nos guia muito bem para onde
devemos ir para evoluir. Todos temos nosso próprio veículo de acesso superior,
e nem sempre são oráculos... Pode ser meditar, dançar, escrever, pintar, e até
costurar ou cozinhar...
Vivian estava atônita, aprendendo
muito, mas sem muito mais a indagar... Apenas salientou:
- Então a senhora é uma mística?
- Antes de tudo! Sorriu com a
inocência de uma criança.
- Agora chega. Disse ela
levantando-se. Vamos investigar você mesma, e ver o que trouxe para ser e crescer junto com este mundo...
E as duas cruzaram uma cortina de
miçangas em direção à sua sala de atendimentos...
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