Desde menino, desde a barriga da mãe na verdade, Yam tinha essa conexão com os gatos. Ainda no ventre materno recebia lambeijos de Nestor, seu primeiro amigo e o mais velho dos três gatos com quem contatou em seus primeiros anos de vida. Assim que nasceu dormiam com ele, e sua mãe, preocupada com que pudessem sufocar o bebê, os tirava do berço muitas vezes. Assim que aprendeu a falar, e a entender os gatos, correu para Nora, a segunda gata mais velha do trio, quando ela teve suas duas crias. Na primeira vez Yam tinha apenas 4 anos... Depois disso passaram a conversar frequentemente, mas quando sua mãe se aproximava paravam. Com o tempo ela começou a achar que ele tinha um amigo imaginário, até que o flagrou conversando com o Liam, o mais novo dos três felinos. Ela chorou e disse ao pai de Yam que achava que ele tinha algum transtorno. Levaram o menino a uma mulher simpática que fez muitas perguntas sobre ele e os gatos. Quando voltou deste passeio Nestor, um sábio e experiente gato preto, sugeriu que a partir daquele momento eles só conversassem de boca fechada. Yam achou tudo estranho e pensou que não conseguiria, mas com o apoio de Nora e Liam eles logo se comunicavam com o olhar e dentro da cabeça um do outro. Quando completou oito anos a mãe dele ficou muito doente por muito tempo, e o menino triste se retirava de casa para sentar na parte mais alta do jardim, de onde se avistava uma estrada para fora da pequena cidade onde viviam cercados de um pomar, seus gatos e um arvoredo cantante. Numa tarde dessas o trio felino o seguiu, Liam, o mais jovem de pelo branco, chegou roçando a cabeça nos braços do menino e apertando os seus olhinhos azuis, dizendo estou aqui. Nora, cinza e negro, chegou mais devagar e mantendo maior distância até que Nestor sentou bem na frente dele com seus olhos verdes bem arregalados e disse na conversa silenciosa deles – Nós sentimos muitas coisas que os humanos não sentem pequeno, e vemos coisas que vocês não veem... Sentimos a vida e a morte, e a proximidade de uma e de outra, vemos a cor dos sentimentos de vocês e os espíritos dos humanos e da natureza a sua volta. Nós sabemos de todas essas coisas...
O menino que até então olhava ora para o chão ora para a estrada, encarou Nestor e perguntou: “Mamãe vai morrer?”. Então todos os gatos baixaram o olhar e quando voltaram a cabeça a ele novamente suas pupilas estavam dilatadas e o olhar caído. Yam entendeu a resposta, botou as mãozinhas no rosto e chorou. Os felinos logo se aproximaram e roçaram cabeças e lamberam seus braços com delicadeza. Nora então disse – sabe querido, você foi escolhido pela alma dos felinos deste mundo para se comunicar conosco, e nos ajudar a nos conectar com os outros humanos que mesmo nos amando nos fazem sofrer. Tudo o que temos a lhe dar é gratidão e amor – Ao que Nestor complementou – O amor não resolve nada, nem traz ninguém de volta, nem faz o tempo parar, mas alivia todas as dores e dá força para seguir adiante ainda mais forte. E nós te amamos – Disse Liam – E os três gatos se aproximaram aninhando-se entre suas pernas onde continuaram a lamber o menino.
O tempo, que sempre nos afasta de quem amamos, os afastou também. Liam foi o primeiro, sumiu na estrada. E quando Yam o viu pela última vez ele disse com seu olhar doce – Volto logo, diz para o Nestor não ficar nervoso e nem triste. E nunca mais apareceu! O velho Nestor disse que já não sentia mais ele depois de alguns dias, e foi para sua caminha debaixo da cadeira da sala de estar, nunca mais foi o mesmo, e em menos de um ano morreu deitado lá, recebendo o carinho do menino que chorava muito. – Tudo acaba pequeno, disse ele respirando pesado, obrigado pelo seu carinho, e lembre que nós te amamos muito! Nora ficou tão desnorteada que não quis sair de cima dele. Eles vieram de lugares diferentes e formaram uma pequena família felina, o que nem sempre acontece. Com eles houve sempre muito amor. Nora foi mais tarde. Passava os fins de tarde olhando a estrada. Foi onde Yam, já rapaz, a encontrou quase desfalecida. Olhou para ele com toda sua ternura e antes de partir lhe disse que para ela ele sempre foi mais um de seus filhotes...
Quando cresceu o veterinário Yam chegou a duvidar de tudo o que tinha vivido. Parecia um sonho de amor, alegria e sofrimento de um menino solitário que perdeu a mãe. Porém, outros gatos vieram e ele soube que nem todos eram sábios como Nestor, inocentes e afetivos como Liam ou maternos e carinhosos como Nora. Há gatos raivosos, solitários, instáveis, melancólicos... E soube também que por trás de todas essas causas sempre havia um humano egoísta, pervertido ou inconsequente! De menino a homem ele conversou com humanos e gatos, ensinando aos primeiros que felinos precisam de rotina, isso libera segurança, amor e paz e eles equilibram a casa dos humanos em resposta. Que barulho demais desestabiliza suas energias e humor, e por isso muitos se tornam arredios, ou fogem! Que uns precisam de altura, outros de saborear carne crua vez em quando, e que sumir para lugares quentes e ocultos dentro da própria casa é seu retiro de realinhamento... Muitos donos e muitos gatos se conectaram e viveram felizes graças a ele. Certo dia ele descobriu quem realmente era. Foi chamado às pressas para atender um gato que havia sido atingido por uma motocicleta, bem perto da clínica, e que não havia recebido nenhum socorro do motorista. Quando chegou lá encontrou um lindo gatinho de orelhas curtas e cabeça redonda, olhos grandes e doces com as cores branco e cinza, assustado tentava fugir se arrastando, mas parou assim que o viu. Sem tirar os olhos dele disse – os que me amavam me chamavam de Cyrano, a outra mãe deles me botou pra fora enquanto eles não estavam. No caminho contou mais – Encontrei um gato velho e sábio que disse que havia um humano que curava e que era o Príncipe dos Gatos, foi ele que me mandou aqui. Como assim Príncipe dos Gatos? Pensou Yam, e Cyrano que ouviu dentro da sua cabeça disse – O Rei dos gatos é a grande alma que nos põe na vida e nos recolhe depois, raros humanos se tornam nossos Príncipes e guardiões. Eu tava vindo até você! Ele o trouxe mais perto do peito e tentou dizer que ia ficar tudo bem enquanto se dirigia à clínica, mas não deu tempo. Cyrano tinha uma coleira com endereço na parte interna, Yam foi até lá e viu três crianças tristes no quintal. As chamou e disse a elas pela cerca que tinha atendido um gato chamado Cyrano, e os olhinhos delas se iluminaram, e que ele pediu para dizer a eles que teve que ir embora antes que a nova mãe fizesse uma maldade com ele, mas que estava tudo bem e que um dia iam se ver de novo, pois ele os amava muito! Quando estava saindo a menor deles o chamou e disse – Moço diz pro Cyrano que a gente ama muito ele e que eu sonho com ele toda noite – Sabe que ele me disse que já sabia disso? E que ama e sonha com vocês também! Disse de coração apertado. Daquele dia em diante ele resolveu falar para mais pessoas sobre como os gatos podem nos ajudar a formar laços de amor, basta que queiramos aprender. E começou a escrever sobre suas experiências, tudo em forma de ficção claro, pois ele lembrou que tem coisas que os humanos por não verem e nem sentirem, não acreditam!
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