quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A Origem da Dor...

E no fim das contas todo o sofrimento humano tem origem na falta de amor.

A falta de amor pela terra e seu povo cria os corruptos.

Falta de amor pelo próximo cria o abandono, a indiferença, o abuso até a violência.

A falta de um amor pela humanidade e as gerações futuras gera a degradação do meio ambiente.

A falta de amor cria memórias de sofrimento que se repetem e repetem, e geram mais desamor.

A falta de amor pela vida causa indiferença com os seres menores ou mais frágeis que nós.

A falta de amor está matando este mundo dia a dia...

E os professores do desamor são muitos:

A política, que é um desamor que diz que quer ajudar.

As ideologias, que são desamores que afirmam que querem libertar.

As religiões, que são desamores que alegam querer integrar.

O desamor é vendido com a capa de um caminho libertador.

Enquanto o amor é apresentado nos livros, filmes e novelas como um caminho de dor...

Quando só o Amor ajuda, só o Amor liberta, só o Amor integra...

E isso tudo sem matar a política, as ideologias e as religiões, pois que todas elas nasceram de uma ânsia por Amor...

O Amor é sair de si mesmo por um momento, e levar em conta o vazio de amor do outro

A fragilidade do outro

O sofrimento do outro

Os sonhos dos outros

E permitir que ele seja preenchido, acolhido, aliviado, realizado...

Porém, os professores do desamor são vários e estão por toda parte

Nos programas de tevê, do rádio, no horário eleitoral, nas conversas de bar...

Enquanto pessoas carentes se jogam de prédios, massacram os filhos, esposas e maridos

O vizinho, o cara do bar, apontam culpados, e criam mais desamor!

Semeie amor, antes que morra, antes que seja tarde, ou antes que esse mundo não suporte, e se acabe!


terça-feira, 13 de outubro de 2020

Abigail - A Bruxa do Amor



Ela tomou coragem, vestiu casaco e botas e foi enfrentar a chuva. Pegou sombrinha e se foi rua a fora naquele fim de tarde frio de sábado. Dirigiu-se à casa da velha, a luz da sala estava acesa. Subiu a escadaria e tocou a campainha. Abriu a velhinha miúda, frágil, de olhar manso...

- A senhora faz uma poção pra mim?

- Oi filha, tomou coragem é? – Disse a velha Abigail com um sorriso maroto.

- Pois é! – Disse a mulher meio constrangida.

Sentando na poltrona castanha em que assistia tevê dirigiu-se à sua visita inesperada que se arranjou pelo sofá, e disse:

- Preciso te avisar de três coisas muito importantes... A primeira delas é que pode não acontecer nada. Ao contrário do que se pensa o amor não é pra todo mundo. Tem pessoas que tem essa sina de ficarem sós pela vida, ou de nunca encontrar uma parceria amorosa de verdade... – A mulher engoliu em seco – A segunda coisa é que é bem provável que não saia como você sonha... Pode não ser o homem dos seus sonhos, ter os braços, olhos e boca que deseja, mas ainda assim será um amor... O seu AMOR entendeu? – Ela acenou a cabeça como uma criança atônita – E por fim – Completou a velha e doce Abigail, eu não sei quanto tempo levará! Esse encontro faz parte de um ciclo maior que foge à minha compreensão, eu só sei juntar os elementos que poderão magnetizá-lo até você se for o seu destino... Entendeu minha filha? – Ela acenou a cabeça positivamente, mas estava visivelmente tensa!

- Mas a senhora não sabe me dizer se o amor está ou não no meu caminho? – Perguntou timidamente, com um nó na garganta.

Minha filha me perguntam isso com tanta frequência que criei um quarto aviso, mas como ele é recente e eu velha, acabo me esquecendo. Pois bem, o quarto aviso é: sou uma bruxa e nem todas as bruxas sabem do futuro ou leem oráculos. Ganhamos um único dom, as bruxas de mentira que você procurou é que dizem fazer uma porção de coisas. Elas nada sabem de magia de verdade. Todas nascemos com um só dom, nascer com ele é um presente, descobri-lo é uma segunda dádiva, e focar nele por muito tempo é que te faz uma Mestra...  O meu dom é o de atrair o amor, para os que tem ele no caminho, mas que se afastam dele por algum motivo.

A mulher estava de novo petrificada, achando que não entendeu direito tudo aquilo, mas se calou.

- Bom – Disse Abigail – Agora presta atenção em tudo o que vou precisar...

E veio uma lista de coisas estranhas, ervas secas, frutas frescas, penas brancas obtidas sem o sofrimento do animal, e isso tudo até a véspera da próxima lua cheia. Ela correu, e quando chegou o dia tudo foi meio constrangedor, teve de dormir nua à luz do luar, depois que a velha passou um óleo de odor doce e amadeirado no corpo dela, enquanto entoava um tipo de prece... 

Quatro longos meses se passaram e, de repente, aos olhos da mulher o Bruno, o do bairro, saltou aos olhos... O Bruno? – Se indagava ela – Ele tinha quarenta e poucos anos e só usava bermuda e chinelo e, no máximo, com muito frio, moletom e tênis! Boca grande demais, olhos pequenos, nariz largo... Não parecia inteligente. Com o tempo, porém, o Bruno ia ficando mais e mais interessante. Detalhes que se revelavam, braços fortes com mãos grandes e firmes, sorriso fácil. Acolhia animais pelos caminhos. Quando deu por si estavam rindo juntos, ele se apresentou aos gatos dela, cozinhou pra ela. Descobriu que ele morou no exterior, e que era bem mais interessante sem suas roupas. Gostava de ficar debaixo das cobertas no inverno, de cozinhar, e de passeios na praia no verão. Tudo foi muito rápido, intenso... Um dia entrando no carro ela viu a Abigail lá na sua porta, a velha deu de ombros num sorriso meigo e maroto do tipo: “Pois é!”, a mulher antes de entrar no carro imitou o gesto, revirando os olhos pra cima como quem diz: “Nunca fui tão feliz!”... E partiu!

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Sanha


Talvez um pouco mais de magia,

um pouco menos de nostalgia, 

menos medo das sombras e da ventania,

do invisível e do absurdo,

e não fugir do inexplicável,

do obscuro e do insondável,

e dos vultos da madrugada,

pois que por detrás deles 

não há nada

que não seja tua alma

velando os teus segredos

até a tua chegada!


sábado, 22 de agosto de 2020

Sobre Caminhos...


Tem caminhos que se acha,
tem também caminhos
que nos acham...

Mas eu acho que tem 
caminhos que se acha dentro,
depois de muitas jornadas, 
e não nos deixam mais...

Esses caminhos todos,
quando verdadeiros,
nos transformam e
transformam a vida,
desenhando novas 
trilhas para outros
caminhantes...

terça-feira, 18 de agosto de 2020

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Conflito



E então a mente disse ao coração:
por que não me deixa?
E o coração respondeu: 
e por que não me abraça?

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Encantamento da Chuva...



A chuva escorre como um verso que se alonga 
de muito longe nas alturas do céu,
do berço de nuvens aonde vinha
preguiçosa, até se esparramar
toda no chão...

A chuva tem música e poesia, e tem saudade
também... Tem bolinhos de frigideira 
com canela e açúcar, e o carinho
de tardes distantes que me
entorpecem de sono...

A chuva tem histórias que entram na noite,
e tem encantos e assombros de árvores
mágicas, em florestas escuras, onde 
filhotes de lobos e corujas 
dormem com suas mães.

A chuva tem aconchego, e tem até barcas de ventania
onde o perfume cheiroso de ervas distantes
fluem, do fundo da floresta dos sonhos,
e recaem sobre nossa melancolia...
A chuva não é de água...

É de Magia...!

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Gaspar - O Numerologista


Gaspar descansava antes do atendimento agendado para depois do almoço. O rapaz chegou antes, avisou sua assistente. Ele pediu para ela recebê-lo na biblioteca, onde fazia os atendimentos, enquanto se preparava. Assim que entrou viu um rapaz magro de ar nervoso que quase se assustou com a entrada de Gaspar, de tão distraído que estava! Ele viu entrar um senhor bem mais idoso do que imaginava, cabelos brancos, olhos claros e um ar professoral e de certo distanciamento. Rapidamente levantou apresentando-se.

- Boa noite senhor, me chamo Cid. Gaspar o convida a se sentar.

- Me diga Cid, por que veio buscar o conhecimento dos números? Indagou o velho Numerologista enquanto tirava da gaveta da sua mesa de atendimentos um bloco de folhas quadriculadas para cálculo.

- Eu sempre gostei de números, e quando soube que eles tinham qualidades específicas e que poderiam revelar coisas sobre o ciclo de vida das pessoas, bem isso me fascinou! De costas para porta Cid ouviu Ana, a assitente de Gaspar, perguntar se ele queria beber alguma coisa. Como o dia estava frio e prometendo chuva para a tarde, ele pediu uma xícara de chá.

- Por favor, me passe seu nome de batismo completo e sua data de nascimento. Disse Gaspar, Cid o fez. Ele havia estranhado o fato de o professor, como o chamavam, não pegar os dados antes, mas fazer todo o cálculo na presença do cliente. Rapidamente ele descobriu os três números bases do nome de Cid. A soma das vogais, suas emoções e aspirações era 6. A das consoantes, sua atuação no mundo, era 9. Por fim, a soma total do nome, seus talentos e caráter era de novo 6.  O resultado dos números da sua data de nascimento era 2, esse era o número do caminho de vida, símbolo dos aprendizados e oportunidades que veio para ter nesta existência. O velho olha com ar solene para esses quatro números por um tempo e em seguida diz:

- Toda vez que o número de nossas aspirações é maior que o número do nosso caminho de vida, isso indica que a vida lhe oferece menos oportunidades de realizar seus sonhos, por isso você os valoriza mais, e celebra suas conquistas. Quando as suas atuações excedem a cifra das suas oportunidades, isso indica que você terá de cavar seu conhecimento e criar suas possibilidades, poderá ser duro, mas será estável o que construirá! Da mesma forma quando os seus talentos excedem os aprendizados que a vida lhe oferece, você poderá tornar-se-á um sábio... Ou um frustrado, e derrotado amargo...

Cid não fica nada contente com aqueles dados. – Como assim diz ele, o senhor não pode saber se serei vitorioso ou não? Para que serve esse estudo afinal?

Gaspar o olhava com um cansaço enorme, e antes que respondesse Ana entrou com o chá... Colocou a xícara na mesa ao lado do rapaz e saiu. E o velho Numerologista então responde:

- Serve para revelar caminhos, e assim você poderá, consciente deles, fazer sua escolha; felicidade é uma escolha rapaz. Nada vem pronto. Tem quase trinta anos e ainda não sabe disso? Cid se desconcerta um pouco e o velho continua – Você tem duas vezes o número do amor e da família no seu nome, o 6, isso é bom. Sempre poderá contar com os que ama, e eles com você. E tem uma vez o número da sabedoria e do humanitarismo, o 9... Portanto você poderá escolher entre ser um servidor do mundo, ou só mais um proletário na multidão!

O jovem Cid era um recém-formado jornalista com grandes interesses na educação ambiental, preservação e bem estar dos animais, e estava iniciando com uns amigos o projeto de criar um jornal e um portal na web para desenvolver o tema. Tinha amplo apoio e admiração da família, a quem de fato dedicava muita atenção, sobretudo aos avós paternos.

Começou a chover, Cid então bebe o chá de maçã, e Gaspar prossegue:

- Você tem um karma 7 nesta vida, ausência das letras G, P e Y no seu nome, o que indica que nesta presente encarnação você veio buscar o desenvolvimento filosófico ou espiritual para exaltar sua vida interior. Sem ele se sentirá esvaziado de propósito, e eis que veio até aqui não é meu jovem...? Disse o numerólogo sorrindo – Os números 2,7 e 9 que estão no seu numeroscópio são cifras altamente espirituais, use essa força para impulsionar seus sonhos...!

- E como farei isso? Indagou entre entusiasmado e intrigado com as revelações.

- Vamos ter de mudar seu nome, não em cartório, mas no modo como se apresenta ao mundo. Os números são a possibilidade alquímica mais antiga dos tempos, e foi assim de Stonehenge às Pirâmides do Egito.

- Como um renascimento... Concluiu Cid, olhando a chuva lavar o jardim do Numerologista pela janela atrás dele.

Ao final daquela tarde ele saiu com uma nova forma de escrever seu nome, alinhado com sua identidade cósmica, como disse o velho. A chuva tinha parado, o céu se abriu de estrelas na noite gelada, por onde seguiu.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Évora - A Vidente


Évora acordou às 7 horas da manhã, perdendo completamente o sono. Resolve levantar e tomar o café, quem sabe o desjejum ajudasse a pegar no sono novamente? Os gatos pareciam estranhar a atitude da dona, que era pessoa de hábitos, mas seguiram com ela pra cozinha. Serviu-os primeiro, ração no prato de cada um e partiu para o seu café da manhã com pão e manteiga, café e leite... Meia hora depois aviso de mensagem no whatsapp. Uma mensagem de texto dizendo: “Bom dia, meu nome é Estevam, fui indicado por um amigo, o Paulo. Acordei cedo demais, me desculpe o inconveniente. A que horas posso ligar para falar com a senhora?", Évora não se lembrava de nenhum Paulo, mas passando dos 70 anos isso era possível... Respondeu que poderia ligar naquele momento se quisesse, pois já estava acordada. Logo em seguida o telefone chamou.

- Olá, sou o Estevam, desculpe mais uma vez ligar tão cedo. É que tenho muitas dúvidas sobre o seu trabalho, apesar de confiar no Paulo eu nunca fiz uma consulta dessas. Como é isso de ser vidente? 

Ela suspirou e disse uma frase que uma vez leu num livro:
- "Ser vidente é como ser um cálice deixado ao relento, você capta coisas. Pétalas de flores, gotas de orvalho, de chuva, pássaros e borboletas que sobrevoam ou até pousam e se vão. Mas também capta sujeira, folhas mortas... Um vidente não vê o que quer ver, mas o que se mostra a ele ou ela"... Por isso não existe isso de “ah se é vidente por que não vê os números da loteria?”, entende?

- Sim. Disse ele. Mas eu tinha essa esperança... Tentando fazer piada. 

Évora seguiu quieta.

Desconcertado ele volta ao assunto.

- Mas a senhora vê mesmo coisas sobre o futuro?

- Às vezes vejo sobre o futuro, às vezes sobre o presente ou mesmo sobre o passado. Como disse não sou eu quem escolhe. Há também vezes em que sinto coisas. E também há vezes que não vejo e nem sinto nada!

- E como faz nesses casos? Perguntou ele quase chocado.

- Nada, não houve uma consulta. Encerro e pronto!

- Nossa... Não há garantias de que acontecerá então? Fala intrigado.

- Não é como consultar um oráculo externo e sistemático, nesses casos o vidente é o oráculo e suas emoções e disposição é que definem sua abertura. Não há recursos externos em que possa apoiar sua visão interior para obter as respostas. Já tentei estudar astrologia, tarot para me ajudar nisso... Mas sou um zero à esquerda! Tenho essas visões desde os 18 anos e nunca mais pararam... As pessoas às vezes ficam agradecidas, outras revoltadas, mas não controlo nada, só vejo ou sinto...

- Que incrível. Disse o rapaz do outro lado da linha... E quanto ao tempo de duração...?

Évora de repente interrompe o rapaz dizendo.

Estou sentindo uma angústia enorme no peito e sei que não é minha... Tem alguém com quem você quer muito falar, mas tem medo?

- Sim. Respondeu secamente.

- Vejo um rapaz de cabelos claros e mais encaracolados na testa, olhos grandes, e vocês estão muito tristes um com o outro...

- Nossa! É meu irmão, somos sócios, mas estamos brigados... Voltaremos a nos falar?

- Não vejo isso. Sinto que existe muito orgulho em ambos, mas como é com você que estou falando eu digo: supere isso!

- Difícil... Disse o rapaz do outro lado da linha... Não sei se consigo... E Évora tascou:

- Posso apontar caminhos, não crio soluções mágicas ou percorro os caminhos por você. Se não cruzar essa ponte nunca mais talvez se falem, a mágoa só crescerá. Vocês se amam muito e parecem só ter contado um com o outro por muito tempo.

- Sim, perdemos os pais cedo e fomos criados por parentes com pouco afeto por nós. Explicou o rapaz com voz embargada. Depois de uma longa pausa disse ele: Vou fazer isso sim... Vou conseguir...! Obrigado por tudo! Quanto lhe devo?

- Um retorno, me diz como vocês ficaram... E sinto que tinha coisas para perguntar sobre a empresa de vocês... Quando vier acertamos, ok? Também sinto meu sono voltando. Tenha um bom dia meu filho...

- Ele riu.  Um bom dia pra senhora também... Eu retornarei! Tchau.

Tchau diz ela. E volta pesada de sono pra cama com os gatos atrás... Dormiu até às 11 horas!

Esmeralda - A Mística


Vivian estava esperando o aplicativo para ir à consulta da numeróloga indicada por Cipriano. Ela era sua cliente de tarot há muitos anos, mas nunca tinha ido a uma numeróloga. Ficou intrigada com a história de uma colega da empresa que havia mudado sua assinatura, e perguntou a ele se conhecia alguém... Ele indicou a Esmeralda com as melhores referências, assinalando que se tratava de uma sábia de 88 anos. Vivian idealizava uma senhora sóbria, como uma professora ou contadora aposentada, mas apaixonada por números!
Quando chegou ao prédio, uma pitoresca construção antiga de três andares pintada de branco e amarelo, tocou no interfone e subiu, era logo no primeiro andar. Já a esperava na porta uma senhora de cabelos louros (pintados) amarrados num coque e vestindo um longo vestido azul à moda indiana, quase um sári. Tinha uma echarpe de seda sobre os ombros em tons de azul e verde. Ela sorriu para Vivian, apresentaram-se. Ao entrar se deparou com um ambiente mágico. Numa poltrona de estilo Bristol dois gatos intensamente negros e de cintilantes olhos dourados se espreguiçaram, e mostraram suas barrigas pedindo carinho. Sobre uma cômoda antiga viu imagens de mestres espirituais, velas acesas, pedras, símbolos que desconhecia, e um incensário que exalava um delicioso cheiro doce.

- Que delícia, é de Jasmim. Disse Vivian.

- Não, dama-da-noite. Corrigiu Esmeralda trazendo uma aromática xícara de chá.

- Mas os aromas se parecem mesmo. Disse a senhora que não parecia uma octogenária.

- É “Fruit de la passion”, é francês, mas feito com maracujás do Brasil, embora o gosto não lembre em nada a fruta. É uma delícia! Disse lhe alcançando uma linda xícara.

- Confesso que esperava outra coisa. Disse Vivian bebendo um gole do saboroso chá...

- Esperava o quê? Perguntou quase distraída a senhora que sentava no sofá.

- Achei que como se tratava do estudo de números, o clima seria menos mágico e mais acadêmico ou científico, sei lá...

A senhora com os olhos atentos como os de uma criança curiosa, com mão apoiando o queixo respondeu:
- A magia era a ciência dos antigos, e havia pouca ou nenhuma separação entre elas até o século XVIII, Descartes se assinando Cartesius foi um dos que ajudou a mudar isso, pra bem e pra mal... E, por favor, não se desculpe você é 7 na numerologia, tem uma natureza inquiridora e ávida por saber. Não há erro nisso!

- A senhora também joga cartas? Prosseguiu Vivian sentindo-se a vontade para inquirir mais.

- Jogava cartas de baralho, porque sempre tive uma ligação intuitiva com os números, mas faltava algo de filosófico nelas. Quando encontrei a numerologia tudo fez sentido. Os números são meu canal de acesso superior, assim como o tarot é para o Cipriano.

- É que as cartas parecem mais místicas, não é? Disse em tom quase provocativo...

Esmeralda suspirou do alto de sua sabedoria serena e esclareceu:
- Um grande Mestre, Santo Agostinho, disse que misticismo é uma busca por interação direta com Deus... Outro grande Mestre, Pitágoras, dizia que a matemática é o alfabeto com que Deus escreveu o universo... O que pode ser mais místico que isso? A Mística era o último grau que um mago deveria buscar nas escolas de mistério do passado, hoje sofre resistência por parte de magos que se pretendem modernos... Não se retira o misticismo de uma disciplina para torna-la aceitável... Além de tolice é um erro! Sim, o tarot tem em si uma profunda senda mística, e os números também, assim como todos os sistemas simbólicos do passado! Os limites estão nos olhos de quem vê, eu não vi isso nas cartas de baralho, mas com certeza estava lá. É que também elas não eram meu caminho! O universo nos guia muito bem para onde devemos ir para evoluir. Todos temos nosso próprio veículo de acesso superior, e nem sempre são oráculos... Pode ser meditar, dançar, escrever, pintar, e até costurar ou cozinhar...

Vivian estava atônita, aprendendo muito, mas sem muito mais a indagar... Apenas salientou:

- Então a senhora é uma mística?

- Antes de tudo! Sorriu com a inocência de uma criança.

- Agora chega. Disse ela levantando-se. Vamos investigar você mesma, e ver o que trouxe para ser e crescer junto com este mundo...

E as duas cruzaram uma cortina de miçangas em direção à sua sala de atendimentos...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Cipriano – O Tarólogo


Dora chega para a sua primeira consulta com o tarólogo Cipriano, usando seu vestido básico, azul e sem mangas, e um chapéu branco medonho que ganhou da madrinha querida quando essa veio de Paris. Abriu a porta um homem grande e robusto (quase gordo), de pele morena e ar solene, olhar duro, e que bem lembrava o professor Snape do Harry Potter, só não era cabeludo. Tinha têmporas grisalhas; nada simpático num primeiro momento. Discretamente ele reparou no chapéu da moça, era quase um chapéu coco, branco com um adorno que se pretendia uma flor envolta num laço, mas lembrava mesmo era uma alça... Enfim ela parecia estar com um daqueles pinicos laqueados na cabeça. Daqueles que ficavam debaixo da cama da avó de Cipriano. E ela parecia meio sem jeito usando ele, que não combinava mesmo com sua elegância altiva. Cipriano disfarçou o olhar, identificaram-se e ele a convidou para entrar. Sentaram numa mesa de madeira bem simples numa sala de muitos livros em prateleiras altas. Em cima da mesa tinha só um bloco de notas, um bem usado baralho de tarot Rider-Waite, e um pires de porcelana vermelha, no qual ele acendeu um tablete de um incenso maravilhoso. Ele então perguntou: 

- O que veio saber exatamente?

- O senhor não vai jogar para mim? – Perguntou ela surpresa e meio desconcertada.

- Depois - Falou ele -  Mas agora preciso saber.

E então ela disse:
- Eu vim aqui mesmo foi para entender por que o amor não aconteceu para mim, consegui todo o resto que desejei, me considero uma guerreira, mas essa parte da minha vida é vazia de realizações! Eu queria entender isso, o senhor pode me ajudar?

Ele pegou o maço de cartas na mesa e começou a embaralhá-las verticalmente, então para surpresa de Dora, acostumada com consultas à cartomantes, ele mesmo corta uma vez o maço, o junta novamente e ele mesmo tira a última carta, e mostra a ela sem com que visse antes.

- O que você vê? Perguntou.

- Vejo três espadas atravessando um coração, e um céu em que está chovendo.

- Hum... Resmungou ele.

- Esse coração são os seus sonhos de amor apunhalados pelos seus desejos cerebrais. Vejo nessas três espadas também as três coisas que a motivaram matar seus sonhos... A vida acadêmica, a sua carreira e as suas bandeiras... Esse céu que chove é sua angústia a se indagar.

A mulher delicada de chapéu esquisito era uma Mestre em direito, com especialização em direito civil, e com forte atuação na defesa do direito das minorias. Embora não parecesse já tinha quarenta e seis anos, e olhava para Cipriano com espanto. E ele continuou:

- Essas espadas são os pensamentos e conceitos que aprisionaram as expressões do seu coração, sua paixão e a ousadia de se entregar, se mostrar sem defesas. E sobre isso que falou de ser uma “guerreira”... O naipe de espadas – Disse ele mostrando novamente a carta a ela – corresponde a classe dos militares da Idade Média... De punhos cerrados é difícil dar abraços, e receber carinho... Seja mais coração! Sinto que tem muito amor dentro dele...

Ela continuava olhando-o com um ar de espanto, e acenando positivamente com a cabeça enquanto ensaiava um sorriso.

Ele devolveu a carta ao maço, e voltando a embaralhar suspirou – Então vamos começar! – Ao que ela interrompeu colocando a mão sobre a mesa:

- Não, sério, era tudo o que eu precisava ouvir! Quanto lhe devo? – Perguntou ela retoricamente, pois sabia o preço da sessão 
– Nada! -  Disse - Não fiz todo meu trabalho... 
– Ela respondeu – O senhor fez mais do que pode imaginar...!

Deixou o dinheiro sobre a mesa e foi se levantando em direção a porta. Ele a acompanhou.

- Uma última pergunta – Embora eles já estivessem longe da mesa e das cartas de tarot – O senhor acha que eu conseguirei? Digo, conseguirei ousar e ser mais coração?

- Bem... – Pausou ele – Você conseguiu sair pra rua com esse chapéu, não foi?

Eles se olharam por um instante antes de caírem numa gargalhada quase histérica...!

Surpreendentemente ela saltou pra frente num abraço, e mais surpreendentemente ainda ele foi receptivo, quase paternal. Despediram-se, ela saiu saltitante em direção a rua, quase orgulhosa do seu chapéu. Acenaram um para o outro de longe, em lados diferentes da porta.

Nunca mais se viram outra vez!

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Saudades Tuas...




In Memoriam à minha avó Irma Maria

O teu silêncio é vivo de lembranças
e de encantos,
de cheiro de amor
e cor de saudade,
de bolo de laranja,
de milho,
e banana...

Sinto a longa trilha
da nossa ancestralidade mágica
pulsar em mim, e aspirar aos céus
tornando-se do azul claro das manhãs
ao azul intenso das madrugadas,
e sinto que no teu alento de estrelas
rezas por mim, e me desejas
um bom dia,
como era todos os dias,
quando saio de manhã...

quarta-feira, 8 de abril de 2020

União...



Planto por sobre cada casa 
da quarentena
uma Luz de oração,
e um fio de estrela
ligado ao infinito...

Para que nunca 
se faça esquecido
que eu sou uno com todos,
e todos comigo,
e mesmo longínquos
somos todos irmãos
resumidos
dentro da mesma casa...

terça-feira, 31 de março de 2020

Lamento...



Te desenho paisagens
De Amor com as palavras que lês,
Mas não vês

Sangro meus dias
A verter poesia
Que te encante e me revele,
Mas não lês...

Aceno do alto dos meus sonhos,
Escrevo e lanço às nuvens teu nome,
Mas não vens...

Oro, sussurro, evoco e conclamo
Teu Amor nas profundezas de mim...
Sem fim...

Mas não lês, não vês, não vens
E enfim, longe de mim, nem sabes
As flores que abres no meu jardim...

Sobre a Luz

O Sol é a luz que dentro da consciência espera o despertar do eu mais profundo, que alheio a tudo que disseram vem ao mundo, pleno ver...