terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ode ao Deus Pã



Como quem leva uma concha ao ouvido
e aprecia as ondas de uma música oceânica,
ouço a tua fala por entre as brumas do dia
e dos que tropeçam nas águas podres
de seus próprios pensamentos.

Derrama-se de tua boca o sumo doce das palavras,
o açúcar da poesia colhida no cerne de uma alma muito antiga.
Na tua fala percebe-se o poder de raízes profundas,
raízes da ancestralidade das coisas...
Tu que és parente dos mitos, das pedras, dos líquens
e de tudo o que habita este planeta.

Tu que amparas o desmaio das ondas tombadas
e do sal crias nuvens brancas passeando na praia.

Tu que crês que somos todos sereias às avessas,
seduzidos pelos cânticos desta vida,
e que habitas o insólito com naturalidade
e cuja alma o sobrenatural transpassa
- muito calmamente, é claro!

Tu cujo amor tem um gosto ácido
e o toque nos faz sentir em eterno pecado
e que com tua volúpia faz-nos sentir umidamente excitados
e agradavelmente enojados porque em ti
assumimos, sem vergonha, nossas maiores vergonhas.

Tu cuja língua pronuncia a curva redonda das palavras
e nos chupa o âmago com ardor
- e outras coisas que não temos coragem de contar...

Por ti arrastamos o peso de nossas almas
inspirados pela leveza sã de nossos corpos...
E fazemos tudo isso por ti!

Enigma Casual




As ruas
que não entramos


São justo as que levam
ao desconhecido


E sabe lá o que há
no fim das ruas que cruzamos?


O grande amor tão sonhado,
um portal alienígena,
uma outra dimensão,
ou um coração como o nosso
solitário e ansioso por paixão,
ou só um amigo?...


Ai que enigma
o dessas ruas esquecidas
que cruzamos distraídos
enquanto elas apontam
a direção do infinito!


Céu Noturno




As estrelas
deitaram sobre o meu pensamento


E no silêncio da noite


Ouvi confidências do vento...

Peregrino
















Ah noite,
onde nasce
o teu mistério?


Onde escondes
as estrelas?
E os versos delas
onde pões?


Corações de poetas
e tristes, amantes,
místicos, sonhadores...


Pescadores da beleza
digam-me
antes da manhã feroz


Onde pousa o leito
da noite?
E o seu mistério
onde é?...


Sortilégio


Adentramos no vazio abismal
onde o conhecido mistura-se
ao vazio incorrigível do medo
e o que é próximo alarga-se na distância...


Entramos na erma floresta
cingida nas alturas pela face nova
da velha mãe-avó-lua,
com as tochas e as candeias do fogo pagão
do velho pai avô-sol dos ancestrais,
com as ervas certas, o coração firme
e o ouvido atento aos sinais.


Atravessamos os vultos nas brumas
até que o íntimo da própria neblina
nos revele a hora, e nos indique o local exato
onde a terra clama por seu ritual,
chamando-nos para o fogo primitivo da vida...


(Que faz pulsar seu coração de cristal)

Caçadores sacerdotes e dançarinas sacerdotisas
voltam na história para a infância do tempo,
tendo apenas um céu de silêncios por testemunha...


E as brumas, mais uma vez, varrerão nossos vestígios...

Unicórnio




Vi-te no jardim
com teu corno perolado
tua penugem alva e reluzente


Flutuando no meu
sonho acordado
- uma neblina de mito
caída na manhã silente...


Vieste a mim
que nem donzela,
e nem virgem sou,
repousando sobre mim
a doçura do teu olho
negro de azeviche


E antes que partisse
rezei para que a sanidade
não me impedisse
de te ver outra vez!...


Despertar




















Fui tomado de poesia,
a noite caiu sobre minha caneta
e o meu peito
arremessou-me ao mundo.


De repente lembrei
que sou filho de tudo
e aparentado das estrelas


Que Deus, de algum modo,
já é meu conhecido,
mas que esquecido
aguarda a minha visita.


De repente percebi
que entre sonhos e mitos
e canções, e lendas
é que vive a essência


Do que consisto!

Sonâmbulos





















A música das coisas
permeia o silêncio
abismal da noite.


Dorme em cada cabeça
um sonho de
mudar o mundo...


E o mundo ouve seus
sussurros aguardando
a chegada dos seus atos...

Vigílias

As portas abertas estão sempre à espera de algo... Deixo minha porta da cozinha sempre aberta à luz do dia, ao vento furtivo, à visita d...